(2010) “roda peão,  bambeia peão…” No absurdo de agora e à espera da vida eterna, Amém! Régua quebrada Não me import...

Poemas do livro Rascunhos do absurdo



(2010)

“roda peão,
 bambeia peão…”

No absurdo de agora
e à espera da vida eterna,
Amém!


Régua quebrada

Não me importo
com numerar as penas do cisne.

Versejo com apetite.
Cato palavras de aluvião.
Sou sapo de língua comprida catando mosca.

Insisto na ingenuidade da metamorfose.
(só sei transformar sapato em borboleta)

A poesia começa assim

Emprenhar-se de miudezas;
deixando as mãos rendidas aos gestos costumeiros.
E quando a luz se aperceber, desmembrada
pelo estalo da palavra,
jogar-se nos trilhos
para salvar a flor.

Frango com farofa

No fim de semana
estendo o pano xadrez
no céu de pólvora;

arregalo o olho
para entrar o cisco;

uso a cara de bobo
e ignoro o vício;

O pano xadrez – início;
o cisco no olho – chuvisco;
na cara de bobo – o riso.


Rotina

Convivia-se com a conformidade
de ter o universo próximo de casa.

O espaço delimitado
pelo absurdo traço da conveniência
era marcado pelas solas dos sapatos.
(e trazia a fotografia do mijo fora da privada)

Para o gozo o número era par.
Pouco importava a singularidade da morte.


A prazo

Levem-me as horas
para os caprichos mundanos!

Já destaquei a etiqueta.

Tomei posse do indivíduo.

Será que não veem
no meu antebraço
o carimbo de “pago”?


Balada da carne

Já que o dia é par, falemos de amor.

Já que à frente sempre restará o horizonte,
não me enterrarei além dos olhos.


Já que é no vazio insalubre da cura
que se percebe a alma evanescendo,
tragam-me uma taça.


Já que eu disse sim,
limitem os convidados
presentes à minha  embriaguez.


Já que a palavra é uma puta,
rasguem o poema.


Já que a rima é farta; e o poeta, um estorvo,
que se recompense o primeiro idiota
a me cortar a carne.


Agora é tarde, pintei o muro


Para José Augusto Carvalho

O alento da cristandade
não sei se volta.

Depois que reparei
digitais humanas nos dedos de Deus,
essas trincheiras me pareceram obsoletas;
dissipou-se a taramela
no pórtico do inferno.

Comer todas as hóstias
na infância – de uma só vez –
só me serviu para matar a fome de Deus.



Epitáfio desejado

Deixarei para as ondas decidirem
sobre a imortalidade
do meu nome na areia.


O absurdo se encerra com a morte.
Albert Camus

Jorge Elias Neto (1964) é capixaba, cardiologista e poeta residente em Vitória – ES. Tem vários livros publicados é colaborador em vários blogs e revistas literárias. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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