Entrevistado: Alcenir Grijó do Nascimento Grupo ao qual pertence: Itapuã, colônia Z II. Entrevistador: Maria Clara Medeiros Santos Nev...

Entrevistado: Alcenir Grijó do Nascimento



Entrevistado: Alcenir Grijó do Nascimento
Grupo ao qual pertence: Itapuã, colônia Z II.
Entrevistador: Maria Clara Medeiros Santos Neves
Data da entrevista: 14/10/2013

Local / data de nascimento: Centro de Vila Velha, em 1942.
Nome do pai: Antônio Ferreira do Nascimento, nascido próximo a Viana, ES, alfaiate.
Nome da mãe: Lucrécia Grijó do Nascimento, nascida em Viana, ES, dona de casa.
Casado, 1 filha.

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Não conheceu os avós por parte de pai, mas conheceu o avô por parte de mãe, que tinha apelido de Nequinho e trabalhava na roça.

Ele [pai] queria que eu aprendesse a profissão dele, até surra eu tomava pra aprender a profissão dele. Ele me pegava aqui na praia [Itapuã], eu trabalhando aqui na praia, era uma surra, e naquela época todo mundo apanhava, não tinha esse negócio de a polícia proibir […], apanhava mesmo. Foi indo, foi indo, eu falei – Vou me dedicar a ser pescador mesmo, não vai ter jeito. Ele queria que eu aprendesse a profissão dele, mas eu preferia mesmo era a praia. Muita raça de surra eu tomei aqui na praia. Eu chegava na praia 5h, ele chegava atrás de mim, eu ia pra casa e [apanhava] outra vez, no outro dia eu fazia a mesma coisa.

Então saí da praia pra servir ao Exército. Eu já era peixeiro na época, e depois eu fui servir ao Exército como pescador. Servi dois anos [1961-1962] ao Exército como pescador, aqui, no 3° BC, antigamente era 3° BC. Eu era peixeiro, mas entendia alguma coisa de pesca. Aí depois que eu dei baixa, voltei pra praia, porque não quiseram me arranchar, lá eu era pescador profissional. Aí eles não quiseram me dar baixa, não quiseram me desarranchar, eu pedi para me darem baixa.

Eu vendia peixe no Centro de Vila Velha, era um açougue e uma peixaria que ficavam na Henrique Moscoso com Cabo Ailson Simões, agora acabou tudo isso, do outro lado tinha uma igreja crente.

Eu sou católico e minha esposa é crente. É evangélica.

[De onde veio esse desejo de ser pescador?]

O que me despertou foi a pessoa querer ficar sabida. Eu sempre na minha vida pensei em pegar uma popa de embarcação e ser um mestre, e foi desse jeito que eu fui sendo mestre de rede, cercando cardumes de peixe, vendo como o peixe vem, como o peixe vai. E nesse meio aí eu falei assim: a minha vida vai ser como pescador mesmo, não vai ter jeito.

Eu comecei a trabalhar com os outros. Aí botei um irmão meu, que era pescador também, que se documentou como pescador profissional. Esse já morreu, muita cachaça. E eu, na praia, nunca bebi.

Depois que eu dei baixa, de 1962 pra 1963, fui trabalhar na Praia da Costa, trabalhei 17 anos na Praia da Costa, aí arrumei uma namorada lá. Marquei um cineminha e tal, começamos a namorar escondido de pai e de mãe. Ele [pai dela] era sargento da Polícia, e foi indo, foi indo, eu fui passar a conhecer a família dela. Eles são em quatro irmãos. Na época que eu fui conhecer todo mundo debochava de mim porque eu era pescador. Aí eu falei assim: se vocês quiserem me aceitar como pescador, vocês vão me aceitar, porque minha profissão eu não largo pra ninguém, não larguei nem pelo meu falecido pai.

Eu me casei em 24 de abril de 1970, a minha casa foi lá no final da Henrique Moscoso, dobrando pra Glória [Jaburuna, Vila Velha].

Aí passou aquele negócio todinho e tal, mandei um recado para a praia: que eu não ia mais vir para a praia enquanto eu não fizesse a minha rede nova para trabalhar por conta própria. Ficou um cara que eu trabalhava para ele, um tal de Vasco, lá da Praia da Costa, me chamando, dizendo que estava aparecendo muito peixe , eu falei: Deus que te ajude! Você manda pôr a rede lá, porque não dá para eu ir agora não, porque eu estou trabalhando com uma rede nova aqui que estou fazendo. Então eu peguei uns quatro, meu irmão mais uns três amigos meus, para trabalhar na rua, na Henrique Moscoso, quando não tinha aquele trânsito ali como que tem agora. Terminei minha rede.

Quando eu acabei de aprontar minha rede já era mês de junho, já tinha terminado a safra aqui. Por que a safra aqui começa em novembro e vai até abril. Aí acabou aquele negócio de manjuba, esse troço todinho, eu disse – Vizinho! Vamos estrear a rede lá na praia? Falei – bom negócio. Aí eu vim aqui, larguei a corda aqui, abri para lá, aqui mesmo. A manjuba já tinha sumido toda. Isso foi em meados de 70.

Eu vim aqui, abri a rede e apanhamos uma tonelada de manjuba, fora de época, hein! Aí botamos em cima e tal, o que você vai fazer? Distribuir para todo mundo ai, não é para vender. O pessoal que estava na praia, cada um levou um pouco, não era pra vender porque eu estava inaugurando a minha rede. Aí pronto, daí para cá eu fui trabalhando numas quatro ou cinco embarcações que sempre eu tive e vivendo a vida assim mesmo.

[O senhor fez a sua rede toda? Porque naquela época não havia um tecido próprio.]

Não. Tinha um pano próprio, mas vinha de São Paulo, era mais caro. E até um amigo meu que mandou buscar em São Paulo, por um outro, um representante da Garoto que ficava lá,  que era amigo dele, comprava o material todinho, eu depositava o dinheiro aqui e ele pegava lá.

[Na verdade o senhor ficou preparando a rede? Essa rede era de arrastro?]

De arrastro. Toda de nylon [?] em seda, não tinha plástico. Agora é que estão usando plástico, a metade é de seda e a metade é de plástico.

[Existe um calendário de pesca? O senhor estava falando que tem a época da manjuba, como é que funciona isso?]

Funcionava né! Funcionava. Mudou tudo por causa desse troço aí, tá tudo poluído, acabou tudo. O peixe nosso daqui, antigamente chegava no mês de dezembro. Quando chegava janeiro a gente nem queria pegar mais, passava os cardumes aqui pra lá e pra cá, com fartura mesmo. Então, depois que começaram a botar uma lama que tira de dentro do canal de Vitória, essa lama se espalhou no litoral todinho. Até as ilhas aqui, os buracos que tem lagosta está tudo tapado de lama, e a lama se espalhou. Porque essa draga era para jogar essa lama, não sei quantas milhas lá fora e ela jogou logo aqui, encostado, a 8, 10 milhas.

[Que draga é essa?]

É de Vitória, que limpou a baía de Vitória. Todo mundo reclamou desse negócio aí. Já está afetando Ponta da Fruta, Barra do Jucu, está afetando tudo.

Nós temos em Vitória três traineiras. Essas traineiras têm 70 metros de altura, a rede 1.000 metros de comprimento. Então eles cercam o cardume com um aparelho que eles têm, sabendo que o peixe está no fundo, eles pegam tudinho. Semana retrasada mesmo chegaram lá na Praia do Suá com 40 toneladas de xaréu, um barco só.

Então essas 40 toneladas que passavam aqui, acabou. O que está acontecendo aqui, com nós pescadores, é isso que está acontecendo e com muita gente vai acontecer.

[Hoje, ainda tem alguma coisa desse calendário? O senhor sente algum resquício desse calendário, dos peixes que aparecem em determinada época?]

Nós só podemos falar isso agora só no verão. Porque no verão, a partir de dezembro, já se vai saber se está dando peixe ou que não vai vir nada até começo de janeiro. Antigamente, todo dia aparecia cardume de peixes. Hoje em dia está tudo mudado, de vez em quando tem uma frente fria, quando pensa que não, está fazendo frio, quando pensa que não, está fazendo calor, tudo isso atrapalha.

Por exemplo, quando chegava mudança de horário, nós já começávamos a sentir calor e era quando começava aparecer o peixe. Na época que não existia esse horário de verão, não dava tanto temporal, não dava esse negócio todo como está dando agora, nunca existiu isso. Um tempo desse aí, de tarde tá fazendo frio danado. Nunca deu isso aqui.

[E os peixes que apareciam aqui de janeiro a dezembro, quais eram e em que meses eles apareciam? Que peixes havia aqui e que não tem mais?]

Aqui dava muito cardume chicharro, muito cardume de galo, xaréu, muito cardume de bonito. Esse xaréu mesmo, de vez em quando aparecia muito cardume. Quando chega o verão mesmo é sardinha e a manjuba. Porque a proibição da sardinha ela vigora no Rio Grande do Sul agora no dia 28 de novembro até 28 de fevereiro que aqui é quando ela aparece para a gente pegar. Mas a sardinha é proibida até aqui. Agora, a manjuba larga não é proibida.

[Mas esses outros peixes tem uma época específica, quando apareciam o chicharro, por exemplo, em que época do ano?]

O chicharro aparecia em junho, muitos cardumes, junho, julho e agosto. Era muita comedoria que passava pela beira da praia. Comedoria é aquela manjubinha miudinha, e o cardume ia em cima daquilo ali. A gente cercava e pegava muito peixe. Hoje a senhora não vê nem cardume de comedoria mais. Eu não sei se a água cheia de pó atinge a vista do peixe, só pode né? Eu julgo isso, não posso falar porque eu não estudei isso.

[E os outros peixes, eles apareciam em que época?]

O xaréu é a partir de novembro. A época dele é novembro, dezembro, janeiro. E novembro começa a sardinha, e a manjuba em novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. Às vezes, março e abril, quando ela fica atrasada, quando não vem em novembro. O Galo, o verão todinho dá galo.

[E os outros meses do ano? No inverno, por exemplo?]

No inverno, o pescador aqui trabalha mais na pescadinha, dá muita de anzol também. Mas ela dá mais fartura é no verão, é de anzol não é de rede. De rede também eles pegam. Tem uma rede preparada para pegar elas. Onde dá muita pescadinha é na Ponta da Fruta, no verão. A partir de janeiro também.

[E os peixes que desapareceram daqui?]

Praticamente quase todos eles, principalmente a anchova. A anchova não se vê mais aqui. Na minha época eu apanhava 300kg de anchova de manhã e 300kg de tarde, de armadilha, aquela malhada, essa é a de espera. Mas hoje, se botar lá, o Ibama vem e carrega.  Não podemos trabalhar de jeito nenhum com isso. Qualquer ponta de pedra dessas que a gente armava a rede antigamente, hoje se armar eles vem, recolhem a rede e carregam. Recolheram a rede de um amigo meu, carregaram e até hoje. Eu acho um troço erradíssimo, um troço desses. Eles tinham por obrigação vir em terra, perguntar quem era o proprietário, se o proprietário tem documentação ou não de pesca, para poderem carregar. Mas chegam e não dão nem bom dia, vão botando a mão e carregando e pronto. Tem um amigo meu que tomou um prejuízo de mais de R$ 3.000, e não o notificaram. Ele achou ruim com o pessoal do Ibama, aí notificaram ele e processaram  por desacato à autoridade. Está respondendo a processo até hoje.

[O senhor vai para o mar todos os dias, exceto quanto tem a frente fria, quando o mar fica agitado?]

Eu antigamente, quando eu era novo, eu não respeitava não. Agora, depois de velho, eu respeito. À noite eu vou assistir o Jornal Nacional ou outro jornal que dá a previsão do tempo. Se der, no Rio de Janeiro, a previsão ruim, no outro dia cai aqui. E agora também o vento, a ventania de tantos quilômetros por hora. Antigamente a gente não via isso. Já olhava as nuvens e sabia como ia vir o tempo. Agora não. Já estão querendo saber mais do que Deus.

[O senhor vive só da pesca ou faz alguma outra atividade?]

Não. Só vivo de pesca. Sou aposentado desde 94, como autônomo. Paguei INPS como pescador. Às vezes eu dou muito conselho aos meus amigos, que paguem o INPS, que serve para mais tarde, eles até me xingam. Eu não, fico muito satisfeito. É pouquinho o que recebo, mas o meu pouquinho dá para pagar minhas contas no final do mês e, para eu comer, levo daqui. Papai do céu me dá todo dia.

[Com que idade o senhor começou a pescar? O senhor se lembra de alguns nomes de pescadores da época? Com quem o senhor trabalhou?]

Eu comecei a pescar com 8 anos. Todos eles [os pescadores da época] já morreram. O primeiro foi seu Carlinho Borges. Esse eu já peguei ele velho, já pescando. Os filhos [dele], Francisco Borges, Guilherme Borges e Jorge Borges, todos pescadores. Eram todos de Vila Velha. Lembro-me do Seu Juquinha, mas não lembro o nome dos filhos. Os filhos não eram pescadores. Ele era evangélico. Tem Seu Antônio da Tapera, era outro proprietário de rede. O Antério era outro proprietário de rede, esse tem o irmão dele, que é seu João Cardoso e que mora ali, o Zequinha, que tem um apelido Seu João de Zeco, que está bem velhinho.

Tem um monte de defunto aí. Morreu tudo de cachaça. Tem mais de uns 50, mas tudo de cachaça. Tudo garoto novo.

Dos mais antigos que ainda estão vivos tem o Sr. Darly, só não sei o sobrenome, seu Valdemiro. Esse Darly tem um filho que trabalha aqui, é Josias o nome dele, deve estar lá para a praia, lá naquela bandeira azul.  O pai dele era pescador aqui, agora não trabalha mais, já está muito velho, parece que é vigia lá fora. Ele tinha outro filho que chamava Jorge, já faleceu. Esse Valdemiro não tinha filho aqui na praia trabalhando, ele está vivo ainda.

[Em cada grupo existe um mestre de rede ou vários mestres de rede?]

Antigamente, nós éramos registrados como mestres de rede. Hoje qualquer um sai para jogar rede e se diz que é mestre. O Damião é mestre de rede porque ele é dono da rede. Eu sou mestre porque eu sou dono da rede.

[Quem mais aqui é dono de rede?]

O Messias, o Alemão, o seu Zé Fernandes, que chamam de Zé boião, tem mais uns dois ou três.

[E os que não são donos de rede?]

Eles pescam aqui. Tem muitos que vêm puxar a rede na época, para poder levar algum peixe para comer. Ajudam a puxar a rede, ganham dinheiro também, porque os donos da rede, todos eles ganham 50%, e 50% é para o pessoal que puxa a rede.

[O senhor explicou que quem puxa a rede, quem ajuda, vai participar da partilha dos 50% e também ganha dinheiro?]

Aqueles que ficam aqui na praia de dia a dia. Aqueles que chegam aqui, descem dali, botam a mão na rede, esses só levam peixe.

[E a comercialização? O senhor vende aqui mesmo ou o senhor vende lá com os outros?]

Quando pega pouco peixe, duas, três caixas vende aqui mesmo na bancada, usando peixe de mercado, da Bahia, de tudo quanto é lugar e dizendo que é daqui. E quando apanham um, dois, três, quatro, dez toneladas de peixe, chamam o mercado e o mercado da Vila Rubim vem aqui. Tem três ou quatro rapazes lá que compram o nosso peixe daqui, é só ligar qualquer hora do dia ou da noite.

[No dia a dia o senhor vai para o mar, volta do mar conserta a rede, limpa o peixe que trouxe e vende o peixe o senhor mesmo?]

Quando não tem peixe de rede, para cercar cardume de peixe, eu tenho rede de espera. Essa rede de espera fica lá fora, no mar, armada. Agora não. Mas no verão eu vou de manhã e de tarde. Saí agora de manhã cedo, eu arriei seis peças de rede de fora a fora. Então, as nossas marcas é pelos morros, a rede está lá armada, em terra também porque chega lá, o tal do baiacu, chega a cortar as boias, quando for outro dia não sabe onde está. Quem não conhece perde as redes todinhas. Porque tem aqui uns pescadores que imitam serem pescadores e perdem tudo. Eu já emprestei cinco, seis redes para o rapaz aqui que foi para o mar e cadê a rede?  Sumiu, perdeu tudo.

[E se o baiacu corta essas boias? Como vocês fazem para recuperar as redes? ]

Então, por ela ir para o fundo que quando chegar lá vou arrastar um ferro e vou pegá-la, porque  eu sei onde ela está. Graças a Deus, papai do céu ainda está me dando vista para eu enxergar tudo o que eu faço.

[Existe só um tipo de rede de espera ou mais de um tipo de rede de espera? Tem uma mais de superfície?]

Aqui é só rede de espera. Na Praia do Suá é balão que é a arrastada no mar. No balão, o barco que vai puxando pelo fundo do mar, vai arrastando pelo fundo do mar, só para pegar camarão e pega peixe também. Pega muito camarão.

[Descreva como se coloca essa rede de espera. Como se faz? Sai daqui de barco, a que horas? Todos os dias ou deixa lá por vários dias?]

Eu deixei lá hoje de manhã e só vou amanhã de manhã. Tiro os peixes que estiverem agarrados, e se tiver dando muito peixe, eu deixo no mesmo lugar. Agora, se não tiver dando peixe eu vou mudar de lugar, vou mais para fora ou venho mais para dentro. Se estiver com muito buraco, vai para dentro d’água toda remendadinha, porque eu remendo ela todinha, já tiro ela para botar outra no lugar.

[Quantas redes de espera o senhor tem?]

Essa de espera eu devo ter uma base de umas 25 a 30 redes de espera. Eu mesmo que preparo, eu mesmo que conserto, eu mesmo que entralho, que é botar a boia, a corda com boia. Saio entralhando, tudo do mesmo tamanho, não pode ser maior nem menor.

[Como é feito o arrastão? A que horas o senhor sai, tem alguma condição especial?]

A rede de arrastro pode ficar o dia todinho aqui e não aparecer nenhum cardume. Às vezes, na hora da gente ir embora, aparece um cardume, não tem horário. Até de noite, aqui no verão aparece muito peixe de noite. Em novembro vai dar muita espada.

[Descreva o processo, quantas redes de arrastro o senhor tem?]

Eu tenho duas redes de arrastro. Tenho uma para pegar espada e a outra para pegar sardinha. Porque a espada corta muito. A de espada pega 500kg de espada, mas acaba com a rede.

[Como o senhor identifica um cardume?]

Às vezes ele vem como um roxo, uma mancha escura, às vezes vem pulando. O pessoal conhece o cardume assim.

[E o senhor sabe qual é o peixe que está vindo?]

Por causa da época. A sardinha, por exemplo, ela sempre vem no roxo. O xaréu quando vem no roxo, é um roxinho do tamanho de uma embarcação dessa aí, mas tem milhares de xaréus.  Os outros peixes, não. A espada a gente conhece ela quando ela está no meio da manjubinha miudinha, ela fica pulando. A sardinha faz o escuro, ela vem viajando no escuro, no roxo, a gente olha o roxo e cerca o roxo.

[Como é cercar o cardume?]

Cercar é jogar a rede em um barco só e duas cordas na praia. Sai daqui com uma corda, cerca lá e chega com a outra lá e depois sai puxando, o que não tem previsão nenhuma. É quando aparece.

[Qual a melhor época para arrastro?]

A melhor época para o arrastro é a partir de dezembro e o último arrastro que eu fiz foi no final de fevereiro, que deu peixe.  Foi galo e peguei pouco. Mas teve gente de pegar duas, três toneladas aí. Eu peguei uma base de 600 a 700kg, que deu para vender para o mercado.

Na praia vende 100, 150, 220kg, vende. Porque o peixe hoje caiu muito o preço. Hoje em dia o quilo de peixe está R$10,00, R$ 15,00. O mesmo peixe no verão aqui, que a gente pega de rede, ele vai para R$ 3,00, R$ 4,00. É muita quantidade e a gente tem que fazer dinheiro, porque vende para o mercado, se o peixe aqui está custando R$3,00, R$ 4,00 aqui, no mercado paga R$ 1,00, R$ 2,00. A gente tem que vender porque não tem uma câmara frigorífica, a gente não tem nada.

[E a pesca de anzol?]

A pesca de anzol é muito pouco peixe, é um a um. É penoso! Então, às vezes quando tem muita fartura, o máximo que dá para trazer de lá para cá é 50, 60 kg. Pesca até meio dia mais ou menos, 1:00h da tarde, debaixo de sol e chuva, dá graças a Deus ainda encontrar.

[Qual o tipo de iscas vocês usam?]

Sardinha, tainha, camarão não, camarão é muito caro e o peixe também não gosta muito de camarão, é mais a sardinha e a tainha, e aqui na beira da praia, que eles matam baiacu, aqui é com peito de frango.

[Descreva um dia de rotina, a que horas vem para cá?]

Meu horário de levantar é 4h. Deu 4h estou fazendo café. Às 4:40h, 4:30h, estou vindo embora pra praia. Chego aqui 4:45h, mais ou menos, porque eu venho num carro velho que eu tenho. Chego aqui, a primeira coisa que eu faço é dar dez pães para os pombos e 1kg da canjiquinha. Se eu não fizer isso eu não saio pro mar pra ir pescar, porque eu fico preocupado. De manhã cedo tem mais de 50 pombos, mais de 20, 30 rolinhas, canário amarelo, bem-te-vi. Até o anu branco, tem um monte aí, está vindo comer aí, até o anu coitado que só comia grilo, está comendo pão. E tem muita gente aí, naquele prédio ali mesmo, ali, que só mora rico, é um apartamento por andar, começaram a vir aqui e me esculhambaram. Uma senhora disse que ia dar parte de mim por causa dos pombos, que transmitem doença. Eu só fiz uma pergunta para ela: madame, a senhora sabe me informar, porque eu sou veterano aqui dentro de Vila Velha e nunca ouvi dizer que um pombo matou ninguém. Essa doença é novata pra vocês aí na praia, porque pra mim, que sou velho, nunca vi. Ao contrário, já comi muito pombo frito quando era novo. É, mais isso não é certo, vou dar parte do senhor. É madame? Tem uma coisa: a senhora pode dar parte de mim. Se eu for preso, eu tenho minha mulher e minha filha para dar comida, e é a senhora quem vai dar.

[O senhor chega à praia às 5h e vai para o mar, vai pescar de anzol e ver a rede de espera?]

É. Só que se eu vou mirar a rede de espera, só vou mirar a rede, não vou pescar de anzol.

Mirar é tirar os peixes que estão presos na rede. Se tiver algum problema, eu tiro rede. Agora, se não tiver problema nenhum, eu arreio outra vez.

[Como foi que o senhor aprendeu a fazer rede? O senhor chegou a fazer uma rede inteira?]

Eu fiz muita rede antes de chegar rede pronta. Principalmente a rede de espera, era tudo trançado de dia e de noite.

[E o senhor aprendeu com quem?]

Eu vou ser franco, eu sou um cara muito [?]. Eu vejo a pessoa fazendo as coisas e fico ali, abelhando, conversando, olhando e não peço para o cara me ensinar. Tenho muita cara dura. Fico olhando e, quando ele sai, vou ali, pego e vou fazendo a mesma coisa que ele estava fazendo. Foi indo, foi indo, fui aprendendo. O nome desse velho era Pedro Mota, da Praia da Costa. Eu trabalhava com ele no mar quando eu era garoto, na faixa de uns oito anos de idade. Aprendi a pescaria de linha e a consertar rede com ele.

Agora, com rede de arrastro foi na correria. Aparecia um peixe aí, deixa que eu vou sair, e dali pronto.

[O senhor se lembra de coisas que o assustaram, que foram curiosas, de quando o senhor ia para o mar, alguma situação de perigo?]

Já passei muito perigo no mar, de cair ventania e minha embarcação grande, sendo que eu estava pescando perto de quatro velhos. Na época era novo e minha embarcação era a motor, era uma canoa grandona a motor. Eu, com pena deles, mandei que eles puxassem a garapé [seria o mesmo que garateia, espécie de âncora?], que fica no fundo deles, e mandei amarrar todinho na minha embarcação, os quatro. Só a minha âncora é que segurou todos eles. E foi indo. Nessa época estava um falecido irmão meu com um outro rapaz. Eu mandei ficarem tirando água, puxei, virei o motor, que era a óleo diesel, entrei lá atrás da ilha de Itaparica, que hoje é ilha das Garças, por causa do vento.

Ficamos lá fazendo hora até o vento acalmar, ficar melhorzinho lá. Quando deu um certo horário, eu vim pela beira  da praia rebocando eles. Quando cheguei aqui, os larguei, voltei lá para apanhar mais um. Essa foi uma, em 1980, por aí.

A outra foi na praia mesmo, aqui mesmo. Foi um cachalote, tipo uma baleia. Na época eu mergulhava. Ah! Eu falei, vou ver aquele troço, vou ver como é aquilo. Caí na água, segurei na cauda dela, ele começou a descer e eu segurando, achando gostoso o troço e foi indo daqui pra lá, para a Praia da Costa.  Eu cheguei na Praia da Costa, e quer saber de uma coisa? Eu vou amarrar o peixe aqui perto, segurando na cauda dele com a corda. Fui pela frente da cabeça dele e joguei o laço e o amarramos. Ele estava quase morto. Se ele fosse embora ele morria, como ele morreu mesmo. Aí encalhei ali na Praia da Costa, foi uma confusão! Deu uma confusão porque acionaram o Corpo de Bombeiros, Polícia e Exército, tudo por causa de um peixe. E na época eu era novato, tinha dado baixa no Exército, e quem veio foi a minha Companhia mesmo, que veio, o Capitão Severo, que era o comandante da minha Companhia. Aí perguntou, quem que encalhou o peixe e me alcaguetaram. Prenderam o peixe e quiseram me prender. Esse peixe foi até distribuído para a pobreza aqui, no Divino Espírito Santo, que antigamente era muito bom. No meio tinha um cara sabido, nessa época, um japonês. Ele meteu a faca na cara do peixe, cortou um tipo um osso desse tamanho de um lado e de outro do peixe, que era o troço mais caro que tinha nesse peixe. Aí deixaram o peixe lá. O pessoal logo começou a cortar, pegar pedaço daqui, pedaço dali. Depois levaram lá pra dentro do Exército pra mostrar lá e mandaram distribuir. O pessoal comeu tudo.

[O senhor viu algum pescador morrer aqui?]

Vi. O nome dele era finado Matias. Ele era um cara muito perverso. Inclusive, no dia em que ele morreu, ele estava junto que esse tal de Messias. Ele tinha um barco e estava na ilha do Sapo. O mar estava com onda e a onda suspendeu o bote dele lá em cima da pedra. A maré desceu, e o bote ficou agarrado lá. Deu um acesso nele e ele caiu na água. Esse tal de Messias pulou antes do barco ir para a pedra. Messias foi para a praia e ele, como caiu na água com acesso, morreu afogado. Não foi para o fundo, ficou boiado devido à epilepsia dele. Ele ficou boiado.

[Algum outro que tenha morrido?]

O irmão do Messias mesmo, irmão dele. Foi mergulhar na ponta daquela pedra lá, onde está quebrando. Ele pegava muita lagosta e, quando ele pôs ali, ele morreu no fundo, deu um enfarto nele, no fundo, e ele morreu.

[Quantos barcos o senhor tem?]

Eu tenho três bateras.

[E qual o nome delas?]

Malha miúda, Tamires, a outra até já esqueço o nome, a azul lá.

[Elas tem motor?]

Motor de popa. Mas só funciona o motor de popa naquelas duas de lá. As de cá, só no remo. Uma é de rede e a outra é de cercar peixe. Eu pesco com a de motor.

[Porque o senhor tem três? O senhor chama alguém para ir para o mar ou só em situação especial?]

Eu tenho duas redes. Uma delas, eu trabalho para ir pescar de rede, pescar de anzol e mirar rede. As duas ficam com a rede desembarcada aqui porque tem muita gente que pede para ir para a ilha. Chega na ilha, não quer saber de quem é de quem não é, e quando chega aqui, chega vazando água, pintando o sete , e na hora de gastar, quem vai consertar sou eu.

Às vezes pegam sem me avisar, os amigos mesmo. Fazem frete, usam para fazer frete, dá  R$ 20,00 reais cada pessoa que levam lá na pedra, às vezes levam cinco, seis. Pegam um dinheirinho bom e vão para o bar beber. Não lembram que tem que consertar, de comprar um negócio, não lembram nada. Só querem saber o lado deles, não querem saber o lado dos outros.

[Onde o senhor comprou seus barcos?]

No estaleiro, eu mandei fazer no estaleiro da Glória, com o Sr. Argemiro, que existe há muitos anos, desde quando comecei a pescar, ele já existia [o estaleiro]. Faziam barcos convezados. Ainda fazem. São barcos que vão trabalhar lá fora no alto mar. Passam 20, 30 dias no mar. Quase igual a navio. São barcos maiores, com cabine, mas é de anzol. Eles chegam lá na Prainha. No começo de novembro em diante, esses barcos chegam com 10, 15 toneladas só de dourado pescado com anzol. É a época deles. Tem barcos que botam 500, 600 anzóis armados, daqui lá na Barra do Jucu. No outro dia eles vêm correndo tudo.

[Como recolhem os anzóis?]

Coloca um pregador, o nylon para baixo e o anzol e prende na âncora com a rede. Aí vai arriando os anzóis. Quando chega lá no final, o barco fica ancorado no final.


[Entrevista exclusiva para o site Estação Capixaba. Reprodução autorizada pelo entrevistado.]


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