Entrevistado: Leonardo de Carvalho Vieira, apelido Cabeludo Grupo ao qual pertence: Coqueiral de Itaparica, Vila Velha Entrevistador: ...

Entrevistado: Leonardo de Carvalho Vieira



Entrevistado: Leonardo de Carvalho Vieira, apelido Cabeludo
Grupo ao qual pertence: Coqueiral de Itaparica, Vila Velha
Entrevistador: Fernanda de Souza
Data da entrevista: 21/03/2014.

Local / data de nascimento: Vila Velha, ES
Casado, 4 filhos

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[Como foi sua infância e adolescência?]

Minha infância e adolescência foram ótimas.

[Qual o tipo de brincadeiras que vocês tinham?]

As brincadeiras eram soltar pipa, pique-esconde, polícia-ladrão, bolinha de gude e pião.

[Você tem irmãos? Quantos?]

Na minha família somos quatro irmãos: dois homens e duas mulheres. Eu sou o segundo, do mais velho para o mais novo.

[Com quem você brincava na sua infância?]

Brincava com meus colegas de rua.

[Qual a sua escolaridade?]

Tenho o 2º Grau completo. Acho que com 19 anos já tinha terminado o 2º Grau. Na época era o curso normal, depois eu fiz o curso de Técnico de Contabilidade.

[Você chegou a trabalhar na área?]

Sim. Trabalhei quase dois anos em um escritório de Contabilidade, mas a natureza foi mais forte.

[E os seus pais?]

Meu pai trabalhou e se aposentou como militar da Marinha. Minha mãe é do lar.

[Seus pais tiveram contato com a pesca?]

Creio que meu pai sim, por estar na área da Marinha.  O meu avô, o pai da minha mãe, foi pescador, e acredito que minha mãe tenha tido um contato maior com a pescaria.

[Conte um pouco sobre seus avós]

Meu avô, pai da minha mãe, é que fornecia o sustento da casa através da pesca. Não tenho muita recordação, porque eu era muito pequeno, não tive contato com ele, as informações que tenho foram fornecidas pela minha mãe.

[Com que idade você teve contato com a pesca?]

Eu sempre gostei do mar. Com 14, 15 anos de idade eu já pescava usando uma varinha de pesca. Ia para a beira das pedras pescar, como todas as crianças e adolescentes que gostam de pescar, depois é que ingressei na pesca.

[Quem te ensinou a pescar?]

Primeiro foi o fato de eu gostar e o convívio com os pescadores mais antigos. Sempre perguntando como é e buscando ter um conhecimento através dos pescadores mais antigos da colônia. Aos poucos se vai aprimorando, encarando o mar e aprendendo. Foi dessa forma.

[Como foi sua trajetória na pesca?]

Eu já tinha 18 anos e comecei aqui em Coqueiral, indo e vindo com os pescadores. Comecei como ajudante dos pescadores.

[Você tem barco?]

Não.

[E como você pesca?]

Pesco com os amigos que têm barco.

[Você vai todos os dias?]

Quando o mar deixa, sim. Nós dependemos muito do mar. Pelo pescador tem mar bom o ano todo, mas na prática não é bem assim, não é o ano todo que o mar está bom.

[Como era a pesca antigamente e como está hoje?]

É muito variado, é muito diferente se pescar de linha e se pescar de rede. São pescarias muito diferentes uma da outra.

A pescaria é época. Tem época da pescadinha, do baiacu e da enchova, esses são peixes de época. Às vezes o peixe dá uma sumida e quando pensa que não ele já está de volta, não sei por que motivo, acho até que seja pelo fato de se alimentarem aqui na costa. Continua-se pegando, mas não a quantidade que se pegava antigamente.

Hoje a pesca industrial está muito forte. Quem tem condições de ter um barco do tipo traineira […] A traineira é um barco grande que tem condições de fazer uma pescaria lá fora. Eles pegam os peixes que possivelmente iriam vir para aqui, para os pescadores artesanais pegarem, mas que não pegam. Acredito que seja por isso que esteja acabando a pesca por aqui. Isso é uma das causas de o peixe estar sumindo daqui da beira da praia. As grandes empresas de pescado têm impedido dos peixes chegarem até aqui, é o que todo mundo comenta. O pescador artesanal tem que viver daquilo que o mar vai dando gradativamente.

[Qual a média de quantidade que se pesca hoje?]

É muito relativo. Hoje o peixe que está dando é a pescadinha e geralmente se pega 5, 10, 15, 20kg, enquanto que antigamente era uma média de 30kg, ou seja, o dobro. Hoje está mais difícil, até quem sai no remo, que pescava aqui por perto, costeando, hoje tem que comprar um motor para ir lá fora para poder pegar o peixe, e assim vamos vivendo.

[Você tem outra fonte de renda que não seja a pesca?]

Não, a minha única fonte de renda é a pesca. Por enquanto é a pesca, vamos ver até quando conseguimos viver da pesca.

[Fale sobre os peixes e suas épocas.]

A pescadinha é no verão e logo em seguida vem o baiacu, a espada, a enchova e a sarda. É mais ou menos nessa sequência. Os pescadores seguem essa sequência, estou falando daqui, do Espírito Santo.

[Como é sua rotina como pescador?] 

Acordo às 5h e todos os dias venho para a praia. Eu moro próximo à praia, venho de bicicleta, mas às vezes venho a pé. Quando venho de bicicleta gasto uns cinco minutos, é pertinho. Tomo o café e venho para a praia.

[O que você faz quando chega à praia?]

Se tiver condições de pescar, eu vou pescar, pois depende do mar. Se não, fico em terra com os amigos, com os outros pescadores conversando, ou na colônia. Sempre tem conversa sobre o que está acontecendo ou sobre o cotidiano.

[Você tem um parceiro fixo para a pesca?]

Não, quem estiver disponível e chamar, vamos.  Isso acontece pelo fato de eu não ter uma embarcação.

[O que impede a saída para ir pescar?]

Ondas, essa parte de Coqueiral bate muita onda, por ser mar aberto. É diferente da Praia da Costa, da Praia do Ribeiro que dá condições de se sair. Por exemplo, na Praia da Costa e Itapuã sempre dá condições de sair. Aqui, por ser mar aberto, sofremos um pouco com as ondas. Se o mar estiver muito agitado ficamos impossibilitados de sair para pescar. A chuva não atrapalha, se o mar estiver calmo não tem diferença. Se está na chuva é para se molhar.

[Tem alguma influência da lua?]

Sim, tem influência […] Geralmente quando vem vento sul, vem chuva. O mar dá um balanço e bate onda, aí não tem como ir pescar. Fora isso, a pescaria é normal.

[Tem alguma época do ano que se sai mais para pescar?]

Geralmente no verão se sai mais. No inverno é menos, mas se pesca. No verão é sempre calmo. Eu acredito que os pescadores até batalham mais no verão para terem um dinheiro guardado para certas emergências. Todo pescador é assim.

[Quantas horas você fica no mar?]

Em média fico de quatro a cinco horas no mar. Geralmente, volto às 10h, até porque tenho que vender o peixe aqui na banca, um peixe fresquinho para poder servir a população.

[O que se faz quando vocês chegam da pescaria?]

Coloca-se o barco para cima, retira-se o material e vem para a banca. Pesa o peixe, limpa e vende.

[A que horas você retorna para casa?]

Por volta de 12h, almoço, descanso e faço tarefas do cotidiano, como rever o material de pesca. Às vezes fico o dia todo na praia. Quando tem lance de peixe de rede, fica-se o dia todo. O lance de rede não tem uma hora específica para se cercar, pode cercar pela manhã e pela tarde.

[O que é lance de peixe?]

É um cardume que vem. Nós vigiamos e cercamos com rede de arrasto, como se chama. Sabemos que está vindo pelo olhar.

[E como se faz?]

Um vai remando e o outro vai soltando a rede e cercando o cardume. Geralmente em terra tem de 8 a 10 pessoas para poder ajudar a puxar a rede. Quando Deus abençoa é bom, quando não, é bom do mesmo jeito.

[A que horas você costuma ir dormir?]

Por volta das 21h ou até antes, no mais tardar às 21:30h, porque acordo muito cedo.

[Você é casado?]

Sou casado e tenho 1 filho de 11 anos.

[O que sua esposa acha do seu trabalho como pescador?]

Quando nos conhecemos eu já pescava. Ela me apoia e não reclama.

[Você pesca nos finas de semana?]

Sim, também venho pescar aos sábado e domingos. Venho todos os dias e ela (minha esposa) entende o fato de eu ter que vir trabalhar nos finais de semana.

[Ela tem algum receio em relação ao mar?]

Acho que não.

[E o seu filho, você já o trouxe para pescar?]

Sim, ele gosta de vir e gosta bastante de água. Já passeei com ele, mas não para pescaria.

[Ele também quer trabalhar com pesca?]

Não, e eu não forço nada. Eu o incentivo a estudar bastante para que no futuro, quem sabe, ele possa vir a ser um doutor. Ele está na 7ª série.

[Que tipo de pesca você pratica, de anzol ou de rede?]

Minha pesca é de anzol e, quando posso, pratico pesca de mergulho.

[Como é a pesca de mergulho?]

Vou de barco costeando as pedras e faço o mergulho.

[Que instrumentos você precisa para fazer a pesca de mergulho?]

Preciso de uma roupa de neoprene, uma nadadeira, de máscara, canudo e arma de mergulho.

[Como é essa arma de mergulho?]

Chama-se arbalete. Tem a arbalete e uma pneumática que é de pressão, que não se usa mais, a arbalete é a mais usada. A arbalete é de borracha, se estica a borracha para armar a lança e a outra (a pneumática) é de pressão.

[Porque se usa mais a arbalete?]

Porque é uma arma mais leve e faz pouco barulho no fundo quando se atira no peixe.

[Que outros instrumentos tem que levar?]

Leva-se uma boia sinalizadora para que as embarcações que estiverem por perto saibam que ali tem um mergulhador.

[Que tipos de peixes você pega com a prática de pesca de mergulho?]

Quando esta na época se pega sarda, enchova e sargo. Geralmente são peixes que vivem costeados às pedras.

[E como você vai?]

Geralmente saímos com a batera, de lancha, quando temos amigos que possuem lancha, ou nadando para a ilha.

[Quanto tempo se leva da praia até o ponto de mergulho?]

Geralmente é por aqui perto, nas ilhas, no costeado.

[Quanto tempo você fica pescando?]

Quando está bom, de 5 a 6 horas de pescaria.

[Você vai sozinho?]

Não, sempre vou acompanhado.

[Você tem companheiro de pesca de mergulho aqui no ponto de Coqueiral de Itaparica?]

Quando tem amigos que chamam, sim. Quando não tem vou sozinho na ilha ou no coral.

[Todos os pescadores praticam a pesca de mergulho?]

Não.

[Há quanto tempo você pratica a pesca de mergulho?]

O mesmo tempo da pesca de linha, eu associo uma à outra.

[Quem te ensinou a pesca de mergulho?]

Gostando e conversando com os mais velhos, vendo o que era preciso e fui. Hoje estou aí.

[E o que tem que ser feito para se praticar a pesca de mergulho?]

Primeiro se faz um mergulho de apneia, que é encher o pulmão de ar, desce, faz uma espera de fundo, pega o peixe e sobe. Quando não se visualiza o peixe, sobe. Assim vai-se praticando. A cada peixe que se pega, se sobe. Quando desce, e não pega, também tem que subir. Essa é a pesca de apneia, não é uma pesca de cilindro (de compressor), de garrafa como se diz. Esse tipo de pesca (de cilindro) não é permitido, porque é uma pesca predatória. A pesca de apneia é uma pesca artesanal.

[Para se praticar a pesca artesanal de mergulho tem que ter alguma autorização ou curso?]

Eu tenho minha carteira de pescador, que acho que me dá o direito de fazer a pesca artesanal, de mergulho. Quem não tem carteira de pesca, me parece que se tira uma guia pelo site do IBAMA e se paga anualmente. Essa guia dá uma credencial de 15kg de peixe e mais um exemplar.

[Qual a pesca que você mais gosta?]

Eu gosto mais da pesca de mergulho, pratico duas vezes por semana. Às vezes faço pescaria de linha, associo.

[Como você define se vai pescar de anzol ou de mergulho?]

Depende do mar. Se o mar estiver bom vou de linha. Se amanhã o mar estiver bom de novo, vou para o mergulho. Venho, vejo o mar, e se der condições vou em casa, e busco o meu material de mergulho. Como é perto tenho condições de fazer isso.

[E como é a pesca de anzol? Que instrumentos têm que levar?]

Linha, chumbo, anzol, iscas (sardinha ou tainha) que compramos, o barco e o lanchinho.

[Tem tipo de linhas e de anzol?]

Tem linha mais grossa ou mais fina. De acordo com o peixe. Aqui na beira se pesca com linha mais fina. Se for pescar em alto mar a linha é mais grossa, porque são peixes maiores.

[Os anzóis tem diferença de acordo com o peixe?]

Sim, se for pescar um peixe maior, o anzol tem que ser maior. Se for pescadinha, o anzol é menor. Levamos vários tipos de anzóis, chegando lá (no local da pescaria) é que vamos ver o que se vai usar. Se tiver pescadinha usa-se um anzol menor. Se tiver espada usa-se um anzol maior com um pedacinho de aço, porque a espada corta muito a linha. Se não tiver o aço se perde muito anzol. Na época do baiacu tem que se pescar um anzol maior e com aço porque ele corta a linha.

[E as redes?]

Cada rede tem uma malha, malha maior ou menor, de acordo com o peixe.

[Qual a diferença entre rede de fundo, rede de espera e rede de arrasto?]

E rede de arrasto é uma rede que se usa na beira da praia. A rede de fundo e espera coloca-se no mar num dia e se mira no outro dia. No outro dia recolhe a rede para dentro do barco, tira os peixes e torna a deixar no mesmo lugar.

[Qual a diferença da rede fundo para a rede de espera?]

Aparentemente é a mesma coisa. Chama-se rede de fundo, porque ela fica no fundo de um dia para o outro. As duas ficam no mar. A rede de arrasto fica aqui na praia. Cerca o peixe, tira da água e recolhe para o barco para se fazer uma nova saída para cercar outros peixes se tiver.

[Você sempre pescou aqui no ponto de Coqueiral de Itaparica?]

A maior parte aqui.

[Quais foram os outros lugares que você já pescou?]

Já pesquei na Bahia. Aqui no município de Vila Velha já pesquei em Itapuã e na Praia da Costa. Quando os amigos chamam eu vou. Mas sempre pesco aqui em Coqueiral.

[Quais são sua lembranças dos locais de pesca?]

Só guardo boas lembranças. O que mudou aqui é que hoje tem prédios, mas ainda continua sendo um bom local de pesca.

[Você já sofreu algum acidente no mar?]

Graças a Deus, não.

[Por quanto tempo você pretende continuar pescando?]

Pescaria é vida, o mar é a vida. Vou continuar pescando até quando puder.

[O que você mais aprendeu com a pescaria, o que você leva como lição de vida?]

A humildade. As pessoas que aqui trabalham são humildes e comunicativas. Aqui um depende do outro. Às vezes tem um atrito, como em todo lugar.


[Entrevista exclusiva para o site Estação Capixaba. Reprodução autorizada pelo entrevistado.]


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